Tenho muitas memórias de uma época em que as minhas
poucas preocupações se resumiam a não me sujar muito na rua,
não quebrar lâmpadas com uma bola ou raquete e não rasgar a
roupa de palhaço na matinê de carnaval. A maioria delas envolve
comida. E talvez a mais forte delas envolva um prato que não era
muito comum onde morávamos.
Eu tinha pouco mais de cinco anos quando morava com meus
pais e meu irmão em Uberaba, interior de Minas Gerais.
Viajávamos muito para Goiânia para visitar meus avós e tios. E
era na cozinha da avó Gladys que a mágica acontecia. Ela
preparava um delicioso arroz com pequi, acompanhado de um
magnífico bife acebolado.
Dizem que o segredo para se gostar do pequi está na escolha
do primeiro caroço que se experimenta. Ou você se apaixona ou
odeia. Eu acredito que aqueles que dizem não gostar de pequi,
certamente deram sua primeira mordida em um caroço sem graça
ou amargo; ou talvez tenham enchido a boca de espinhos na
primeira mordida. Pois é. O pequi é traiçoeiro.
Comigo não! O cuidado da minha avó e da minha mãe eram
tamanhos que eu nem precisava morder o caroço. O pequi já
chegava ao meu prato raspado e sem espinho, misturado no arroz,
com rodelas de cebola e bife todo picado por cima. Facilidades
que são direito apenas dos pequenos.
Com o tempo, aprendi a cortar meu próprio bife e a morder
meu próprio pequi. Habilidades que só aumentaram ainda mais o
meu apreço por esse tradicional prato da culinária goiana.
O contrabando de pequi entre Goiânia e Uberaba que minha
avó sempre fazia mantiveram o gosto e o hábito, que se mantém
até hoje, muitos anos depois.