quinta-feira, 18 de agosto de 2005

Os ratos...

Arthur olhou ao redor, com uma mistura de deslumbramento e horror. Dispostos à sua frente, a distâncias que ele não podia calcular, nem mesmo imaginar, havia uma série de curiosas suspensões, delicadas redes de metal e luz penduradas sobre sombrias formas esféricas que pairavam no espaço.

- É aqui - disse Slartibartfast - que fazemos a maioria dos nossos planetas.

- Quer dizer - disse Arthur, articulando as palavras com dificuldade - que vocês vão reabrir a fábrica agora?

- Não, não, que é isso! - exclamou o velho. - Não, a Galáxia ainda está longe de ter dinheiro o suficiente para manter nosso negócio. Não, fomos despertados apenas para realizar um único serviço, para clientes muito... especiais, de outra dimensão. Talvez isto lhe interesse... ali, ao longe, à nossa frente.

Arthur olhou na direção em que o velho apontava, até que conseguiu distinguir a estrutura que ele indicava. Era, de fato, a única delas que tinha alguns sinais de atividade, embora isto fosse mais uma impressão subliminar do que uma coisa concreta.

Porém nesse instante um facho de luz descreveu um arco através estrutura, pondo em relevo as formas que havia na superfície da esfera negra nela contida. Formas que Arthur conhecia, formas irregulares que lhe eram familiares como as formas das palavras, parte do mobiliário de sua mente. Alguns segundos, Arthur ficou abestalhado, sem palavras, enquanto as imagens dançavam em sua mente, tentando encontrar um ponto em que pudessem estacionar e fazer sentido.

Uma parte de seu cérebro lhe dizia que ele sabia muito bem o que que estava vendo, o que representavam aquelas formas, enquanto uma outra parte, muito sensatamente, recusava-se a admitir aquela idéia e não assumia responsabilidade por levar adiante aquele raciocínio.

O facho de luz iluminou o globo outra vez, e agora não havia mais lugar para dúvida.

- A Terra... - sussurrou Arthur.

- Bem, a Terra II, para ser exato - disse Slartibartfast, sorridente. - Estamos fazendo uma cópia, com base nos esquemas originais.

Houve uma pausa.

- O senhor quer dizer - foi dizendo Arthur lentamente, controladamente - que foram vocês que fizeram... a Terra original?

- Isso mesmo - disse Sartibartfast. - Você já esteve num lugar chamado... acho que era Noruega?

- Não - disse Arthur. - Nunca.

- Que pena - disse Sartibartfast. - Fui eu que fiz. Ganhou um prêmio, sabe? Beleza de litoral, todo trabalhado. Fiquei muito aborrecido quando soube que tinha sido destruída.

- O senhor ficou aborrecido!

- Fiquei. Cinco minutos depois, eu não teria me incomodado. Um equívoco fenomenal.

- Hein?- exclamou Arthur.

- Os ratos ficaram furiosos.

- Os ratos ficaram furiosos?

- É, ora - disse o velho.

- Está bem, mas não só os ratos como, imagino eu, os cachorros, os gatos, ornitorrincos, mas...

- Ah, mas não foram eles que pagaram por ela, não é?

- Escute - disse Arthur -, não seria mais prático pro senhor se eu entregasse os pontos e pirasse logo de uma vez?

Durante algum tempo, o aeromóvel voou num silêncio constrangedor. Depois o velho, paciente, tentou explicar.

- Terráqueo, o planeta em que você vivia foi encomendado, pago e governado pelos ratos. Ele foi destruído cinco minutos antes de terminar de servir aos propósitos para o qual foi construído, e agora vamos ter que fazer outro. Só uma palavra fora registrada no cérebro de Arthur.

- Ratos?

- É, terráqueo.

- Escute, por acaso estamos falando sobre aquelas criaturinhas peludas que se amarram em queijo e que faziam as mulheres subir nas mesas e ficar gritando naquelas comédias enlatadas dos anos 1960?

Slartibartfast tossiu um pouco, polidamente.

- Terráqueo, às vezes é difícil compreender a sua fala. Lembre-se que há cinco milhões de anos estou dormindo dentro de Magrathea, e portanto não sei muita coisa sobre essas comédias enlatadas dos anos 1960. Essas criaturas chamadas ratos não são exatamente o que parecem ser. Não passam de protusões em nossa dimensão de seres pandimensionais imensos e hiperinteligentes. Toda essa história de queijo e guinchos é só fachada. - O velho fez uma pausa, uma careta simpática, e prosseguiu. - Eles estavam fazendo experiências com vocês.

Arthur pensou nisso por um segundo, e então seu rosto se desanuviou.

- Ah, não - disse ele. - Agora entendi a origem desse mal-entendido. - Não, o que acontecia é que nós é que fazíamos experiências com eles. Os ratos eram muito utilizados em pesquisas do comportamento. Pavlov, essas coisas. O que acontecia era que os ratos participavam de tudo quanto era experiência, aprendiam a tocar campainhas, corriam em labirintos, de modo que toda a natureza do processo de aprendizagem pudesse ser examinada. Com base nas observações do comportamento deles, a gente aprendia um monte de coisas a respeito do nosso comportamento...

A voz deArthur foi morrendo aos poucos.

- Que sutileza! - disse Slartibartfast. - É realmente admirável.

- Como assim?

- Para disfarçar melhor suas verdadeiras naturezas e orientar melhor o pensamento de vocês. De repente corriam para o lado errado de um labirinto, comiam o pedaço errado de queijo, inesperadamente morriam de mixomatose... a coisa sendo bem calculada, o efeito cumulativo é imenso. - Fez uma pausa para acentuar o efeito de suas palavras. - Sabe, terráqueo, eles são mesmo seres pandimensionais particularmente hiperinteligentes. O seu planeta e a sua espécie formaram a matriz de um computador orgânico que processou um programa de pesquisa de dez milhões de anos... Eu lhe conto toda a história. Vai levar algum tempo.

- Tempo - respondeu Arthur, com voz débil. - No momento não é um dos meus problemas.
in O Guia do Mochileiro das Galáxias de Douglas Adams, p. 156.