terça-feira, 17 de outubro de 2006

Diálogo lúcido

- Olá, Marcela!

- Renato, você não existe.

- Minha princesa, você é tão agradável ao me elogiar assim, tão logo nos vemos pela manhã.

- Não. Não foi um elogio. Você realmente não existe. E acho que eu também não existo.

- Agora você está me deixando preocupado. Que conversa é essa?

- Você não entende? Você pode me dizer que tem vinte e cinco anos, e que viveu toda uma história, pode me contar toda ela. Ainda assim, existirá uma possibilidade, a qual eu considero enorme, de que você não exista.

- Marcela, estou desconfiado que você acabou de beber a garrafa de vinho que lhe ontem à noite. Que papo estranho é esse?

- É simples! Pode ser que eu e você sejamos personagens de um romance, um conto ou talvez até uma crônica. Talvez tudo tenha começado com este diálogo. Já pensou se a primeira frase do livro fosse “Olá, Marcela”?

- Isso não faz sentido. Eu nasci e tenho uma vida, tenho experiências. Tenho vinte e cinco anos de idade, e conheço você há pelo menos dois anos. Como posso pensar que não passo de uma porção de letras que começaram a ser ajuntadas há apenas alguns minutos?

- Renato, sei que pode ser difícil pensar nisso. Mas se minha teoria estiver correta, você pode até me contar sobre você, sobre nós, e sobre o que você tem estudado. Entretanto, tudo poderá estar sendo criado por um autor misterioso. Quando você começar a divagar sobre as férias que tiramos na Espanha, pode ser que ele tenha pensado isso no exato momento de incluir o possível local das suas férias.

- Mas nós não passamos férias na Espanha. As únicas férias que tiramos juntos passamos na Argentina, em Buenos Aires, tendo que suportar aquele frio glacial.

- Está vendo? Ele pode ter mudado de idéia.

- Pare com isso, Marcela. Está me confundindo. Eu lembro muito bem da viagem. Não é invenção. Você também se lembra de ver as pessoas na rua bem agasalhadas conversando sobre futebol e sapatos. Não lembra?

- Sim, eu lembro. Mas nossas lembranças podem simplesmente fazer parte da história. Nosso passado e nosso futuro podem sair das mãos de um autor de folhetim barato, de um escritor de novelas ou de algum best seller writer.

Contudo, neste exato momento o autor citado acima, que, apesar de tudo, também é um personagem desta curta história, julga não ser este o diálogo ideal para encaixar no seu livro. Arranca o papel da sua já desgastada máquina de escrever. Embola-o com extrema raiva e o atira na cesta de lixo. Não foi nenhum grande arremesso. Nada que despertasse o interesse de olheiros da NBA. Mas não foi isso que o deixou triste. Uma vez mais ele falhou em acrescentar uma página ao seu novo livro que, por incrível que pareça, ainda não possuía nenhuma.

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